segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Norma Oculta


BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. 8º Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
A língua e o seu poder sobre a sociedade brasileira
Emerson Rocha¹

O professor Marcos Bagno² em seu livro “A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira” expõe as relações entre língua e poder no Brasil e avança para a afirmação de que o preconceito lingüístico na sociedade brasileira é, na verdade, um preconceito social; que atinge a população de baixa renda e semi-alfabetizada do Brasil. Ou seja, a imensa maioria do Brasil é descriminada por usarem em sua fala e escrita palavras consideradas “erradas” ou estigmatizadas. Bagno discute a história da constituição das línguas para desvendar nossa realidade sociolingüística. Seu recurso à história se funde com a pesquisa sociolingüística e a crítica corajosa do rótulo de "erro", sempre aplicado com rigor, mas segundo critérios bem relativos, por aqueles que se consideram sacerdotes da classe letrada, incumbida de defender a pureza estática da língua. Rajagopalan³ afirma que não há línguas puras; “como os conceitos as línguas são hibridas”.  Um exemplo disso são as reações de expoentes da imprensa nacional ao modo de se expressar do primeiro operário nordestino eleito para a presidência da República. É ilustrativo enxergar, seguindo a análise do autor, o peso do preconceito social travestido de aniquilamento da língua do outro, quando não se enxerga este outro como interlocutor válido.
A norma oculta” desvenda o jogo ideológico por trás da defesa de um conjunto padronizado de regras lingüísticas, retira o disfarce lingüístico de uma discriminação que é, de fato, social, ao demonstrar que a própria negação da existência do preconceito lingüístico é a prova mais do que eloqüente de que as coisas não podem seguir da maneira como estão. Para entender nossa língua temos de assumir a concretude histórica, cultural, a condição de atividade social da língua, sempre sujeita às circunstâncias, às instabilidades, às flutuações de sentido e à própria opacidade da experiência humana. O autor trata na primeira parte do livro “Por que ‘norma’? Por que ‘culta’?”, mais uma vez, de expor e de reafirmar as bases do imperativo de incorporar à educação em língua materna uma concepção dinâmica que nos leve a abandonar a inútil busca de estabilidade e de homogeneidade, típicas do modo tradicional e redutor de encarar as relações dos seres humanos entre si e consigo mesmos por meio da linguagem. A história das línguas e das sociedades, segundo Marcos Bagno, nos revela que para haver alguma mudança nos conceitos de língua "certa" e língua "errada" é preciso que também haja, ao mesmo tempo, uma grande e radical transformação das relações sociais. E no Brasil isso não ocorreu até o momento. E é isso que ele enfatiza na segunda parte do livro “Um pouco de história: o fantasma colonial & a mudança lingüística” Na terceira e ultima parte de seu livro “Por uma gramática do português brasileiro”, Bagno no campo lingüístico, direciona a sua visão para a transformação significativa que será o estabelecimento de uma possível gramática do português brasileiro, a ser preparada pelos pesquisadores que há bem mais de trinta anos estão engajados na investigação criteriosa da nossa realidade lingüística. Rajagopalan indaga que o sujeito moderno deve se pautar pela tradução e não pela tradição. Em outras palavras isso quer dizer que ao invés de buscarmos pela tradição nos acalentarmos com o sonho de redescobrirmos uma pureza cultural perdida devemos traduzir (aqui traduzir entende-se como compreender), no turbilhão do mundo, tudo. E a possível gramática do português brasileiro faria o povo entender que há muitas variedades lingüísticas e que devemos aceita-las.
Desse modo, a forma crítica como o assunto é tratado ao longo do livro faz com que sua leitura seja de extrema relevância para os profissionais que trabalham com questões relativas à linguagem, principalmente professores de língua materna, os quais, partindo desta leitura, poderão mudar sua postura enquanto educadores.
Sendo assim, sabendo-se que é a partir de reflexão e de conseqüente conscientização que se dão as grandes mudanças, não é exagero dizer que a obra representa um convite ao novo. Então aceite esse convite e leia “A Norma Oculta” de Marcos Bagno, pois vale à pena conferir essa fantástica obra.
¹ Graduando em letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – Jequié. É poeta e palestrante em cultos protestantes.
² Marcos Bagno é um professor, lingüista e escritor. É professor do Departamento de Lingüística da Universidade de Brasília (UnB), doutor em filologia e língua portuguesa pela Universidade de São Paulo, tradutor, escritor com diversos prêmios e mais de 30 títulos publicados, entre literatura e obras técnico-didáticas.
³ Rojagopalan publicou o livro “Por uma lingüística critica: Linguagem identidade e questão ética” no ano de 2003.

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