quinta-feira, 10 de maio de 2012

UM OLHAR SEMIOTICO SOBRE O POEMA “MOTIVO” DE CECÍLIA MEIRELES



Trabalho de graduação apresentado ao Curso de
Letras Vernáculas Universidade Estadual do Sudoeste
 da Bahia – UESB de Jequié, como requisito para 
obtenção de aprovação na disciplina de Literatura.


Orientador: Prof. Dr. Raimundo Lopes Matos



Um olhar semiótico sobre o poema “Motivo” de Cecília Meireles.
Emerson da Silva Rocha
Nínive Silva

INTRODUÇÃO
Este trabalho é uma abordagem com um olhar semiótico sobre o poema “Motivo” de Cecília Meireles. Tal abordagem se processa levando em conta o discurso modernista e pós-modernista. Quanto ao recorte a analise se dará levando em conta o momento histórico que o poema foi escrito e a vida da autora, buscando perceber a ausência ou a presença da autora na obra.
O trabalho mostra-se relevante por ser uma contribuição ao campo das análises literárias. Por isso nos aplicaremos em discutir o poema “Motivo” a luz da semiótica.
A investigação tem como objetivo as verdade subjetivas presentes no poema. Com o intuito de mostrar como é trabalhada a transitoriedade da vida, o significado do tempo, a efemeridade de cada minuto de existência. Por isso nos debruçaremos sobre esse ponto buscando encontrar a presença da autora em “Motivo”.
O trabalho utiliza, como embasamento teórico, a semiótica apresentada por Santa Ella no que diz respeito à primeiridade, secundidade, terceiridade; autor morto ou vivo na obra, da Crítica Genética.
Quanto à metodologia, parte-se da leitura do poema “Motivo” escrito no ano de 1939, é um famoso poema em que Cecília trabalha com a questão da metalinguagem, ou seja, o se fazer poesia. Antes do poema em questão, é interessante conhecermos um pouco da vida de Meireles.

A SEMIOTICA EM SI E SUA APLICAÇÃO NO POEMA “MOTIVO”
A semiótica é uma ciência relativamente moderna. Atualmente muito se ouve falar nela, porém poucos conseguem defini-la e conceitua-la se pegos de surpresa. Por essa razão faz-se necessário conceitua-la aqui. A semiótica é “ciência de toda e qualquer linguagem” (SANTAELLA, 1979. p.10). Abordar-se-á aqui as Categorias Universais do Pensamento e da Natureza, tais como: primeiridade, secundidade e terceiridade.
Para a semiótica Pierceana para se ter um conhecimento implícito sobre um signo é preciso que passemos por três categorias bem definidas e ao mesmo tempo essas estão imbricadas em si.
A primeiridade é tudo que está presente no pensamento naquele momento. “É o momento do caos da gênese do processo criativo” (MATOS, R. L. 2011. p. 174). Refere-se à qualidade de se vivenciar tal experiência. Ela é primeira, é espontânea e imediata, é original e totalmente livre. “E o vermelho da camisa sem a camisa” como costuma exemplificar, MATOS, R. L., em suas aulas. A primeiridade é a compreensão inicial e superficial de um texto, de uma foto, de um gesto etc.
O signo também se divide em três categorias: Qualisigno que é a qualidade do signo em relação a ele mesmo, ou seja, é a mera qualidade de signo. A segunda é o Ícone que é a relação existente entre o signo e o objeto. E por fim, o Rema, este é a relação existente entre o signo e o interpretante. O interpretante é a capacidade que o signo traz de se fazer decifrar pelo interprete. Vale salientar que o interprete vai conseguir interpretar o signo ou não a depender do seu repertório.
É na secundidade que ocorre o “contato com o mundo exterior; a busca da disciplina e do ordenamento do caos; a hora do concreto, do real, do tangível, do factível é o vivenciar cotidiano de experiências fáticas do processo” (MATOS, R. L. 2011. p. 175). É nesse momento que começamos a organizar na mente o caos inicial do pensamento para podermos avançar para a próxima etapa. Em relação a interpretação, a segundidade se dá quando a pessoa consegue compreender com profundidade o conteúdo de um signo. Nesse estágio o interprete recorre às suas experiências de vida para decodificar o signo.
A terceiridade nada mais é nas palavras de Santaella que a uma aproximação entre a primeira e a segunda categoria gerando uma síntese intelectual (1979. p.67), ou seja, é a reflexão que você fará. É o pensamento lógico em signos que podemos representar e que pode ser interpretado por outra pessoa. Em restrito, a terceiridade é a ação em si, é o processo de feitura de, é o por a mão na massa, é a interpretação.    

MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
(Cecília Meireles)

“O artista, ainda que não seja sociólogo, não cria o seu trabalho no vazio, mas, antes, interpreta o seu ambiente social através do filtro da sua experiência, observação e visão de mundo” (CERQUEIRA, 2003. p. 21). A partir disso podemos começar desvendando o mundo interior e exterior da artista autora dessa obra.  Logo de início notamos o uso da primeira pessoa o “eu lírico” que se refere a subjetividade, a descrição dos sentimentos. No poema, de uma forma geral notamos a passagem do tempo, a transitoriedade da vida dando até um certo tom melancólico ao poema. É importante lembrar que a autora estudou música e por isso os seus poemas apresentam a musicalidade como uma importante característica da autora. Aqui podemos perceber a figura do autor na obra. “Este, a final de contas, não morreu” (MATOS, R. L. 2011. p. 177).

Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles (que faleceu três meses antes de a filha nascer) e Matilde de Benevides (falecida quando Cecília tinha apenas três anos), Cecília Meireles foi criada pela avó, Jacinta Garcia Benevides. A religiosidade da avó fez com que a menina, desde cedo, vivesse em ambiente de espiritualidade e misticismo. Os seus três irmãos (Vítor, Carlos e Carmem) morreram antes de ela nascer. Assim, a sua infância de menina sozinha proporcionou-lhe duas coisas que parecem negativas para algumas pessoas, mas que foram positivas para Cecília: silêncio e solidão”. (Rocha, 1978).

Desde cedo, Cecília habitua-se ao exercício da solidão, desenvolvendo consciência e sensibilidade que serão expostas, mais tarde, em sua poesia. Cecília chega a afirmar em depoimento:
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão”. “Nasci aqui mesmo, no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, deram-me, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.”

Para Bakhtin o “autor não é passivo, não renuncia o seu ponto de vista e à sua verdade, não se limita a montar pontos de vista e verdades alheias; ele enfatiza a relação dialógica entre autor e personagem” (BEZERRA, 2010. In BAKHTIN).  No terceiro verso desta estrofe há uma antítese entre “alegre” vs “triste”. A melancolia se dá até no nível fonético com o uso das consoantes semiabertas [o], [e] e as vogais fechadas [u] e [i]. O “eu” lírico se contenta em ser apenas poeta, apesar de a sua existência ser triste.  As formas “fico” e “edifico” na terceira estrofe estão rimando e nós podemos pensar que, enquanto vivemos, edificamos algo na terra, de ordem espiritual ou material, mas quando “passamos”, tudo se desfaz, como observamos na rima que acontece no segundo e no quarto versos.
Esse poema é todo elaborado em antíteses, o que se pode observar em: “alegre” x “triste”; “noite” x “dia”; “desmorono” x “edifico”; “permaneço” x “desfaço”; “fico” x “passo”.  Característica presente em outros infinitos textos. Bakhtin afirma em relação a isso “que todo texto é um mosaico de citações, todo texto é um retomado de outros textos” (BEZERRA, 2010. In BAKHTIN).   O poema representa a fugacidade da vida. No poema de Cecília Meireles notamos a presença clássica no Modernismo, principalmente no que se refere às rimas. A herança simbolista, da poetisa, é reconhecida por essas métricas.  O título Motivo pode significar uma esperança que o “eu” lírico sente para poder continuar vivendo, apesar de conscientemente saber que ela, a vida, é uma passagem para um outro plano desconhecido.
Desse modo a crítica genética “deixa clara a necessidade de se olhar para o criador, a fim de se poder ver e compreender a sua criação”. (SALLES, 1992. pp. 81/83).  O poema é belíssimo nas rimas, no ritmo, na métrica, no tom melancólico, nas antíteses, no seu conteúdo fonológico, na metáfora que representa a fugacidade, na cesura interna do poema, no jogo de palavras, nas gradações, no clássico presente nessa obra moderna, nas rimas ricas e pobres, no verso interrompido em uma linha completando-se apenas na linha seguinte. E isso tudo são signos presentes no poema para o olhar semiótica. 
A obra de Cecília Meirelles é, sem sombra de dúvida, singular. Dentro de uma fase em que o modernismo que se voltava para as lutas políticas, para uma produção que tinha como objetivo "educar" e conscientizar, ela apresentou um estilo de poesia diferente - com algumas características simbolistas, como o uso constante de sinestesias - que se voltava mais para o interior do ser humano, tinha um clima mais sincero e intimista, naturalmente introspectivo. Seus poemas têm um cuidado muito grande com a musicalidade visto que ela estudou música durante certo tempo de sua vida e seus poemas são envoltos em um universo muitas vezes de sonho, de fantasia, às vezes de solidão – o que mais uma vez vai revelando a autora presente na obra.
A poetiza pertenceu à segunda geração do Modernismo, no Brasil (1930 – 1945). E, como se sabe, nesse período literário há o amadurecimento da obra de outros autores da primeira fase (1922 – 1930), que ainda continuavam, e a reflexão sobre o destino do ser humano como uma preocupação constante. O poema é do ano de 1939.
Cecília Meireles foi a grande responsável por consagrar e também popularizar uma literatura intimista e introspectiva que, no futuro, iria se tornar uma marca da literatura feminina, representada também por Clarice Lispector.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho iniciou apresentando o poema “Motivo” e fazendo uma abordagem a respeito do que se trataria o presente trabalho. Levando em consideração à própria feitura do trabalho; poderíamos dizer que quando esse trabalho nos chegou à mente pela primeira vez, o mesmo se encontrava na primeiridade. O trabalho estava indefinido e sem forma no caos da mente.
 Logo em seguida, avançamos para a secundidade. Nesta etapa fizemos uma leitura atenta do poema “Motivo” e todos os detalhes encontrados foram levados em conta, porém alguns detalhes foram descartados na organização do pensamento criativo. E tentamos dá uma sequência lógica e uma organização ao caos inicial.
 Por fim, estabelecendo uma relação da primeira etapa com a segunda entramos na terceiridade em relação a construção desde presente trabalho. Colocamos a “mão na massa” e começamos a analisar e colocar no papel o que estava só no nível subjetivo e passamos para o concreto propriamente dito.
É importante ainda resaltarmos que essa leitura e interpretação do poema “Motivo” não é a única verdade sobre o texto analisado. A arte como um todo pode ter várias interpretações. Entretanto, fazendo nossas as palavras do Dr. MATOS, R. L em suas aulas de semiótica, podemos dizer que “a arte é aberta, mas não é escancarada” a várias interpretações. A que apresentamos aqui tem um caráter lógico e oferece embasamento teórico para tais afirmações feitas o que torna a analise digna de credibilidade.
A escritora Cecília Meireles utilizou-se dos signos para cunhar a sua obra. E os signos são abertos, e por isso motivam leituras variadas.
“Assim ao se utilizar do signo, ainda que não haja ou houvesse intenção específica e pontual, mas a plurivocidade e a plurissignificação sígnicas sob o universo repertorial supra permitem, com relativa segurança, afirmações e conclusões razoáveis” (MATOS, R. L. 2011. p. 188).












REFERENCIAS
BEZERRA, Paulo. In. BAKHTIN: Conceitos-chave. 4ª Ed, 4ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010. (org.) BRAIT, Beth.
CERQUEIRA, Nelson. Hermenêutica & Literatura, Salvador. Editora Cara, 2003.
MATOS, Raimundo Lopes. In. Cultura e Sociedade: identidades sem confronto. 1ª Ed. Rio de Janeiro, UERJ/Nucleas, 2011. (org.) LEMOS, Maria Tereza Tombio B.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética – uma introdução. São Paulo: EDUC, Editora da Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, 1992
ROCHA, Nelly Cecília Paiva Barreto. Poeta. Rio de janeiro, s.d.
TEIXEIRA COELHO, José. Moderno pós moderno. 3ª Ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.
http://cadernodepoesias.arteblog.com.br/206678/Poesia-Motivo-por-Cecilia-Meireles/ (Último acesso em 15 de Abril de 2012)
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/monografias/Atemporalidade.pdf (Último acesso em 18 de Abril de 2012)
http://amandaveronese.wordpress.com/2008/03/17/primeiridade-secundidade-terceiridade/ (Último acesso em 20 de Abril de 2012)

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