Trabalho de graduação apresentado ao Curso de
Letras
Vernáculas Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia – UESB de Jequié, como requisito para
obtenção de aprovação
na disciplina de Literatura.
Orientador: Prof. Dr. Raimundo
Lopes Matos
Um olhar
semiótico sobre o poema “Motivo” de Cecília Meireles.
Emerson da Silva Rocha
Nínive Silva
INTRODUÇÃO
Este trabalho é uma
abordagem com um olhar semiótico sobre o poema “Motivo” de Cecília Meireles.
Tal abordagem se processa levando em conta o discurso modernista e pós-modernista.
Quanto ao recorte a analise se dará levando em conta o momento histórico que o
poema foi escrito e a vida da autora, buscando perceber a ausência ou a
presença da autora na obra.
O trabalho mostra-se
relevante por ser uma contribuição ao campo das análises literárias. Por isso
nos aplicaremos em discutir o poema “Motivo” a luz da semiótica.
A investigação tem como objetivo as verdade subjetivas
presentes no poema. Com o intuito de mostrar como
é trabalhada a transitoriedade da vida, o significado do tempo, a efemeridade
de cada minuto de existência. Por isso nos debruçaremos sobre esse ponto
buscando encontrar a presença da autora em “Motivo”.
O trabalho utiliza, como embasamento teórico, a semiótica
apresentada por Santa Ella no que diz respeito à primeiridade, secundidade,
terceiridade; autor morto ou vivo na obra, da Crítica Genética.
Quanto à metodologia, parte-se da leitura do poema “Motivo”
escrito no ano de 1939, é um famoso poema em que Cecília trabalha com a questão
da metalinguagem, ou seja, o se fazer poesia. Antes do poema em questão, é
interessante conhecermos um pouco da vida de Meireles.
A SEMIOTICA EM SI E SUA APLICAÇÃO NO POEMA “MOTIVO”
A semiótica é uma ciência relativamente moderna. Atualmente
muito se ouve falar nela, porém poucos conseguem defini-la e conceitua-la se
pegos de surpresa. Por essa razão faz-se necessário conceitua-la aqui. A
semiótica é “ciência de toda e qualquer linguagem” (SANTAELLA, 1979. p.10).
Abordar-se-á aqui as Categorias Universais do Pensamento e da Natureza, tais
como: primeiridade, secundidade e terceiridade.
Para a semiótica Pierceana para se ter um conhecimento
implícito sobre um signo é preciso que passemos por três categorias bem
definidas e ao mesmo tempo essas estão imbricadas em si.
A primeiridade é tudo que está presente no pensamento
naquele momento. “É o momento do caos da gênese do processo criativo” (MATOS,
R. L. 2011. p. 174). Refere-se à qualidade de se vivenciar tal experiência. Ela
é primeira, é espontânea e imediata, é original e totalmente livre. “E o
vermelho da camisa sem a camisa” como costuma
exemplificar, MATOS, R. L., em suas aulas. A primeiridade é a
compreensão inicial e superficial de um texto, de uma foto, de um gesto etc.
O
signo também se divide em três categorias: Qualisigno
que é a qualidade do signo em relação a ele mesmo, ou seja, é a mera qualidade
de signo. A segunda é o Ícone que é a
relação existente entre o signo e o objeto. E por fim, o Rema, este é a relação existente entre o signo e o interpretante.
O interpretante é a capacidade que o signo traz de se fazer decifrar pelo
interprete. Vale salientar que o interprete vai conseguir interpretar o signo
ou não a depender do seu repertório.
É
na secundidade que ocorre o “contato com o mundo exterior; a busca da
disciplina e do ordenamento do caos; a hora do concreto, do real, do tangível,
do factível é o vivenciar cotidiano de experiências fáticas do processo” (MATOS, R. L. 2011. p. 175). É nesse momento que
começamos a organizar na mente o caos inicial do pensamento para podermos
avançar para a próxima etapa. Em relação a interpretação, a segundidade se dá
quando a pessoa consegue compreender com profundidade o conteúdo de um signo.
Nesse estágio o interprete recorre às suas experiências de vida para
decodificar o signo.
A
terceiridade nada mais é nas palavras de Santaella que a uma aproximação entre
a primeira e a segunda categoria gerando uma síntese intelectual (1979. p.67),
ou seja, é a reflexão que você fará. É o pensamento lógico em signos que
podemos representar e que pode ser interpretado por outra pessoa. Em restrito,
a terceiridade é a ação em si, é o processo de feitura de, é o por a mão na
massa, é a interpretação.
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
(Cecília Meireles)
“O artista, ainda que não seja sociólogo, não cria o seu
trabalho no vazio, mas, antes, interpreta o seu ambiente social através do
filtro da sua experiência, observação e visão de mundo” (CERQUEIRA, 2003. p.
21). A partir disso podemos começar desvendando o mundo interior e exterior da
artista autora dessa obra. Logo de
início notamos o uso da primeira pessoa o “eu lírico” que se refere a
subjetividade, a descrição dos sentimentos. No poema, de uma forma geral notamos
a passagem do tempo, a transitoriedade da vida dando até um certo tom
melancólico ao poema. É importante lembrar que a autora estudou música e por
isso os seus poemas apresentam a musicalidade como uma importante
característica da autora. Aqui podemos perceber a figura do autor na obra. “Este,
a final de contas, não morreu” (MATOS, R. L. 2011. p. 177).
Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles
(que faleceu três meses antes de a filha nascer) e Matilde de Benevides
(falecida quando Cecília tinha apenas três anos), Cecília Meireles foi criada
pela avó, Jacinta Garcia Benevides. A religiosidade da avó fez com que a
menina, desde cedo, vivesse em ambiente de espiritualidade e misticismo. Os
seus três irmãos (Vítor, Carlos e Carmem) morreram antes de ela nascer. Assim,
a sua infância de menina sozinha proporcionou-lhe duas coisas que parecem
negativas para algumas pessoas, mas que foram positivas para Cecília: silêncio
e solidão”. (Rocha, 1978).
Desde cedo, Cecília habitua-se
ao exercício da solidão, desenvolvendo consciência e sensibilidade que serão
expostas, mais tarde, em sua poesia. Cecília chega a afirmar em depoimento:
Minha infância de menina
sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para
mim: silêncio e solidão”. “Nasci aqui mesmo, no Rio de Janeiro, três meses
depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e
outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais,
mas, ao mesmo tempo, deram-me, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte
que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.”
Para Bakhtin o “autor
não é passivo, não renuncia o seu ponto de vista e à sua verdade, não se limita
a montar pontos de vista e verdades alheias; ele enfatiza a relação dialógica
entre autor e personagem” (BEZERRA, 2010. In BAKHTIN). No terceiro verso desta estrofe há uma
antítese entre “alegre” vs “triste”. A melancolia se dá até no nível fonético
com o uso das consoantes semiabertas [o], [e] e as vogais fechadas [u] e [i]. O
“eu” lírico se contenta em ser apenas poeta, apesar de a sua existência ser
triste. As formas “fico” e “edifico” na
terceira estrofe estão rimando e nós podemos pensar que, enquanto vivemos,
edificamos algo na terra, de ordem espiritual ou material, mas quando
“passamos”, tudo se desfaz, como observamos na rima que acontece no segundo e
no quarto versos.
Esse poema é todo elaborado em
antíteses, o que se pode observar em: “alegre” x “triste”; “noite” x “dia”;
“desmorono” x “edifico”; “permaneço” x “desfaço”; “fico” x “passo”. Característica presente em outros infinitos
textos. Bakhtin afirma em relação a isso “que todo texto é um mosaico de citações,
todo texto é um retomado de outros textos” (BEZERRA, 2010. In
BAKHTIN). O poema representa a
fugacidade da vida. No poema de Cecília Meireles notamos a presença clássica no
Modernismo, principalmente no que se refere às rimas. A herança simbolista, da
poetisa, é reconhecida por essas métricas. O título Motivo pode significar uma esperança
que o “eu” lírico sente para poder continuar vivendo, apesar de conscientemente
saber que ela, a vida, é uma passagem para um outro plano desconhecido.
Desse modo a crítica genética “deixa
clara a necessidade de se olhar para o criador, a fim de se poder ver e
compreender a sua criação”. (SALLES, 1992. pp. 81/83). O poema é belíssimo nas rimas, no ritmo, na
métrica, no tom melancólico, nas antíteses, no seu conteúdo fonológico, na
metáfora que representa a fugacidade, na cesura interna do poema, no jogo de
palavras, nas gradações, no clássico presente nessa obra moderna, nas rimas
ricas e pobres, no verso interrompido em uma linha completando-se apenas na
linha seguinte. E isso tudo são signos presentes no poema para o olhar
semiótica.
A obra de Cecília Meirelles é,
sem sombra de dúvida, singular. Dentro de uma fase em que o modernismo que se
voltava para as lutas políticas, para uma produção que tinha como objetivo
"educar" e conscientizar, ela apresentou um estilo de poesia
diferente - com algumas características simbolistas, como o uso constante de
sinestesias - que se voltava mais para o interior do ser humano, tinha um clima
mais sincero e intimista, naturalmente introspectivo. Seus poemas têm um
cuidado muito grande com a musicalidade visto que ela estudou música durante
certo tempo de sua vida e seus poemas são envoltos em um universo muitas vezes
de sonho, de fantasia, às vezes de solidão – o que mais uma vez vai revelando a
autora presente na obra.
A poetiza
pertenceu à segunda geração do Modernismo, no Brasil (1930 – 1945). E, como se
sabe, nesse período literário há o amadurecimento da obra de outros autores da
primeira fase (1922 – 1930), que ainda continuavam, e a reflexão sobre o
destino do ser humano como uma preocupação constante. O poema é do ano de 1939.
Cecília Meireles foi a grande
responsável por consagrar e também popularizar uma literatura intimista e
introspectiva que, no futuro, iria se tornar uma marca da literatura feminina, representada
também por Clarice Lispector.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
trabalho iniciou apresentando o poema “Motivo” e fazendo uma abordagem a
respeito do que se trataria o presente trabalho. Levando em consideração à
própria feitura do trabalho; poderíamos dizer que quando esse trabalho nos
chegou à mente pela primeira vez, o mesmo se encontrava na primeiridade. O
trabalho estava indefinido e sem forma no caos da mente.
Logo em seguida, avançamos para a secundidade.
Nesta etapa fizemos uma leitura atenta do poema “Motivo” e todos os detalhes
encontrados foram levados em conta, porém alguns detalhes foram descartados na
organização do pensamento criativo. E tentamos dá uma sequência lógica e uma
organização ao caos inicial.
Por fim, estabelecendo uma relação da primeira
etapa com a segunda entramos na terceiridade em relação a construção desde
presente trabalho. Colocamos a “mão na massa” e começamos a analisar e colocar
no papel o que estava só no nível subjetivo e passamos para o concreto
propriamente dito.
É
importante ainda resaltarmos que essa leitura e interpretação do poema “Motivo”
não é a única verdade sobre o texto analisado. A arte como um todo pode ter
várias interpretações. Entretanto, fazendo nossas as palavras do Dr. MATOS,
R. L em suas aulas de semiótica, podemos dizer que “a arte é aberta, mas não é
escancarada” a várias interpretações. A que apresentamos aqui tem um caráter
lógico e oferece embasamento teórico para tais afirmações feitas o que torna a
analise digna de credibilidade.
A escritora Cecília Meireles
utilizou-se dos signos para cunhar a sua obra. E os signos são abertos, e por
isso motivam leituras variadas.
“Assim ao
se utilizar do signo, ainda que não haja ou houvesse intenção específica e
pontual, mas a plurivocidade e a plurissignificação sígnicas sob o universo
repertorial supra permitem, com relativa segurança, afirmações e conclusões razoáveis”
(MATOS, R. L. 2011. p. 188).
REFERENCIAS
BEZERRA, Paulo. In. BAKHTIN: Conceitos-chave. 4ª Ed, 4ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010.
(org.) BRAIT, Beth.
CERQUEIRA, Nelson. Hermenêutica & Literatura, Salvador. Editora Cara, 2003.
MATOS,
Raimundo Lopes. In. Cultura e Sociedade:
identidades sem confronto. 1ª Ed. Rio de Janeiro, UERJ/Nucleas, 2011. (org.) LEMOS, Maria Tereza Tombio B.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética – uma introdução. São Paulo: EDUC, Editora da
Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, 1992
ROCHA, Nelly Cecília Paiva Barreto. Poeta.
Rio de janeiro, s.d.
TEIXEIRA COELHO, José. Moderno pós moderno. 3ª Ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.
http://cadernodepoesias.arteblog.com.br/206678/Poesia-Motivo-por-Cecilia-Meireles/
(Último acesso em 15 de Abril de 2012)
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/monografias/Atemporalidade.pdf
(Último acesso em 18 de Abril de 2012)
http://amandaveronese.wordpress.com/2008/03/17/primeiridade-secundidade-terceiridade/
(Último acesso em 20 de Abril de 2012)
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