quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Clara dos Anjos: O racismo na Literatura



RIBEIRO, Júlio. A Carne. São Paulo: Martin Claret, 1999
 
Clara dos Anjos
Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance Clara dos Anjos é uma forte denúncia do preconceito racial e social, vivenciado por uma jovem mulher do subúrbio carioca.
    O grande historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, já apontava, escrevendo sobre “Clara dos Anjos”, que é muito difícil “escrever sobre os livros de Lima Barreto sem incorrer um pouco no pecado do biografismo”. Poucos escritores brasileiros foram tão obsessivos na investigação da temática do preconceito quanto Lima Barreto. Até por razões pessoais, e por viver exatamente nesse período, sempre retratando-o de forma crítica e até ressentida, o autor de Clara dos Anjos seria o escritor que mais sentiria o preconceito e o retrataria de maneira mais fiel em nossa literatura.
     "Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de um carteiro de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é iludida, seduzida e, como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de condição social menos humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta pintar em cores ásperas o drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do mesmo ambiente."
Clara é uma mulata pobre, que vive no subúrbio carioca com seus pais, Joaquim e Engrácia, mulher “sedentária e caseira.” Joaquim era carteiro, “gostava de violão e de modinhas.”
Lima Barreto descreve a figura do sedutor de Clara da seguinte forma: Branco, sardento e de cabelos claros, é a antítese de Clara. Como o apontou Lúcia Miguel Pereira: “Até os animais da predileção de Cassi, os galos de briga, são apresentados com visível má vontade: ‘horripilantes galináceos’ de ‘ferocidade repugnante’.”
Cassi é descrito por L. Barreto dessa forma:
“Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. [...] Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”
No desenrolar da trama Clara engravida e Cassi Jones desaparece. Convencida pela vizinha, dona Margarida, que procurara na tentativa de conseguir um empréstimo e fazer um aborto, ela confessa o que está acontecendo à sua mãe. É levada a procurar a família de Cassi e pedir “reparação do dano”. A mãe do rapaz humilha Clara, mostrando-se profundamente ofendida porque uma negra quer se casar com seu filho. Clara “agora é que tinha a noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos.”
    O autor representa, na figura de Clara e no seu drama, a condição social da mulher e do homem, pobre e de cor negra, geração após geração. No final do romance, consciente e lúcida, Clara reflete sobre a sua situação:
 
    “O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassi e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...”
E, na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de Cassi Jones para a sua mãe, conclui, em desespero, como se falasse em nome dela, da mãe e de todas as mulheres em iguais condições:  “— Nós não somos nada nesta vida.”
Portanto, esse estudo mostra o drama vivido por pessoas de pele negra naqueles anos. E isso nos faz voltar à discussão da mestiçagem no Brasil e do preconceito racial existente no século XIX e início do século XX e que infelizmente ainda hoje vemos seus resquícios.
=========================================================================
¹ Graduando em letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – Jequié. É poeta e palestrante em cultos protestantes. É também professor de Espanhol nos colégios Amadeus e Super Passo e professor de Português e Literatura no Colégio Municipal Adolfo Ribeiro.


Nenhum comentário: