sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um outro olhar sobre o "Madrigal": análise psicologica da obra

Um outro olhar sobre o Madrigal: análise psicológica da obra.
Emerson Rocha¹


MADRIGAL, como composição lírica, manifesta um sentimento subjetivo; pela espécie de sentimento, expressa um galanteio dirigido à formosura da mulher; pelo tratamento, é gracioso e leve. Exprime um pensamento fino, terno ou galante e que, em geral, se destina a ser musicada. O madrigal aborda assuntos heróicos, pastoris e até libertinos.


O poema Madrigal de Federico García Lorca só foi publicado em 1921 em “Livros de poemas” apesar de ter sido criado em 1919.


MADRIGAL 1919
Yo te miré a los ojos. (octassílabo)
Tus manos me rozaro (octassilabo)
y me distes un beso. (octassilabo)


(Los relojes llevan la misma cadencia, (dodecassílabos)
y las noches tienen las mismas estrellas. (dodecassílabos)


Y se abrió mi corazón (octassílabo)
como una flor bajo el cielo (octassílabo)

los pétalos de lujuria (octassílabo)
y los estambres de sueño. (octassílabos)


(Los relojes llevan la misma cadencia, (dodecassílabos)
y las noches tienen las mismas estrellas.) (dodecassílabos)


En mi cuarto sollozaba (octassílabo)
como el príncipe del cuento (octassílabo)
por Estrellita de oro (octassílabo)
que se fue de los torneos. (octassílabo)


(Los relojes llevan la misma cadencia, (dodecassílabos)
y las noches tienen las mismas estrellas.) (dodecassílabos)


Yo me alejé de tu lado (octassílabo)
queriéndote sin saberlo, (octassílabo)
no sé cómo son tus ojos, (octassílabo)
tus manos ni tus cabellos. (octassílabo)
Sólo me queda en la frente (octassílabo)
la mariposa del beso. (octassílabo)


(Los relojes llevan la misma cadencia, (dodecassílabos)
y las noches tienen las mismas estrellas.) (dodecassílabos)


O poema possui 26 versos divididos em 8 estrofes.
Essas estrofes se subdividem em:

3 estrofes de 4 versos .
1 estrofe de 6 versos.
4 dísticos.


Os versos do poema Madrigal são brancos e o fonema mais soante é o “ô”.
O “ô” dá a sonoridade de um lamento presente no poema: “ô...”.


Y(o) te miré a los (o)jos.

Cuand(o) era niñ(o) y buen(o).

Tus manos me rozar(o)

y me distes un bes(o)
[...]


O sujeito lírico do poema lamenta o tempo que se passou. E ele tem a certeza que só terá esse tempo, que correu sem que ele percebesse, em sua lembrança.


Exemplo do fonema “ô”em uma frase cotidiana:


Ô, é lamentável que ocorra isso.
O, es lamentable que esto suceda.


O poema Madrigal pertence ao gênero lírico. É um poema de pequena extensão e exprime o próprio estado da alma do autor (ou o fingimento). A sua relação entre o sujeito e o objeto é dotada de afetividade e emotividade ligada a sentimentos íntimos do seu ser.


O poema possui também a repetição dos dísticos:


“(Los relojes llevan la misma cadencia,

y las noches tienen las mismas estrellas.)”


A repetição se manifesta no ritmo, no metro e na estrofação.
O desvio da norma gramatical também se faz presente no poema.

“Eu me afastei do teu lado (verso 19)
Querendo-te sem sabê-lo” (verso 20)


Forma direta: “Eu me afastei do teu lado
Querendo-te sem que soubesse”


“O poeta busca intencionalmente o obscurecimento e o equívoco, levando a linguagem a perder a firmeza” (CUNHA - 1979. p. 102)


Antidiscursividade do poema.


a) “E se abriu o meu coração,
como uma flor sobre o céu,
as pétalas de luxúria
e os estames de sonho”


b) “(Os relógios têm a mesma cadência,
e as noites têm as mesmas estrelas.)”


c) “Em meu quarto soluçava
como o príncipe do conto
por Estrelinha de ouro
que se foi dos torneios.”


Esses versos mostram que a significação do poema não é linear, e sim global. Os versos do fraguimento “a” não possuem significação linear ao fragmento “b” e “c”. E o seu significado só se dará no sentido global do texto. (veremos isso mais adiante)


Simplificando:


c) Qual é a relação de significado que há em “as pétalas de luxúria” com “Os relógios têm a mesma cadência”? E qual relação existe entre “as pétalas de luxúria” e “Em meu quarto soluçava”?


Construção paratética do poema.


Foram usadas orações coordenadas, pois se adéquam melhor ao fluxo da diposição afetiva, justapondo-se sem prioridade.


“E se abriu o meu coração,

como uma flor sobre o céu,

as pétalas de luxúria

e os estames de sonho”


Interpretação do poema


Eu te mirei nos olhos
quando era menino e bom.
Tuas mãos me roçaram
e me deste um beijo.


O poeta retrata aqui a fase de criança inocente (versos 1 e 2). Já os versos 3 e 4 mostra o amor entre mãe e filho.


O Psicanalista Sigmund Freud explica o que é isso da seguinte maneira:


Entre os 3 a 7 anos de idade surgem os “Complexos de Édipo”. Nesse período configura-se o fenômeno da identificação com o progenitor do mesmo sexo. A criança ama o progenitor do sexo oposto, mas ao perceber que este ama o progenitor do mesmo sexo que ela. Essa procura assemelhar-se com o progenitor do mesmo sexo para merecer o amor do progenitor do sexo oposto.


Ou seja, o menino ama a mãe e deseja o seu amor e carinho. A mãe por sua vez corresponde a todas essas expectativas do filho e dedica-se a ele. E é isso que se vê nestes versos apresentados.


(Os relógios têm a mesma cadência
e as noites têm as mesmas estrelas.)


Para o “menino” esse amor e carinho ser retribuído era muito normal. Assim como relógios têm a mesma cadência e as noites têm as mesmas estrelas do mesmo modo ele teria sempre essa reciprocidade afetiva. Esses versos também marcam um tempo, um período da vida (e nesse caso seria a fase de 3 a 7 anos que é a fase infantil que a criança ainda não possui malícia).


E se abriu o meu coração,
como uma flor sobre o céu,
as pétalas de luxúria
e os estames de sonho


Aqui o poeta já cresceu e agora vai em busca de um amor que não seja o de sua mãe.

Freud explica essa fase como a Fase Genital - Características: neste período, que tem início com a adolescência, há uma retomada dos impulsos sexuais, o adolescente passa a buscar, em pessoas fora de seu grupo familiar, um objeto de amor.


A adolescência é um período de mudanças no qual o jovem tem que elaborar a perda da identidade infantil e dos pais da infância para que pouco a pouco possa assumir uma identidade adulta.


Nesta fase, ele abriu o seu coração para amar e ser amado (verso 7). Provavelmente na adolescência e ainda imaturo (versos 7-8). Assim como um cravo se abri ao raiar sobre ele a luz do sol, do mesmo modo o poeta abriu o seu coração ao ver raiar o amor em sua vida. Ele despertou o desejo em seu ser por uma pessoa (verso 9). E idealizou esse amor. Para ele era como se estivesse sonhando naquele momento e era tudo maravilhoso.


(Os relógios têm a mesma cadência
e as noites têm as mesmas estrelas.)


Neste 2º dístico há uma passagem de tempo. O poeta amadurece e vive outra fase de sua vida afetiva. Até o memento tudo está bem com sua afetividade.


Em meu quarto soluçava
como o príncipe do conto
por Estrelinha de ouro
que se foi dos torneios.


Nestes versos o poeta revela que ele percebeu que o seu amor não foi e nem sempre será correspondido pela pessoa amada e chora essa perca assim como o príncipe do conto chorou a perca da sua estrelinha de ouro de se foi dos seus domínios.


(Os relógios têm a mesma cadência
e as noites têm as mesmas estrelas.)


Aqui é marcado mais uma vez a passagem de um tempo. E esses versos também podem ser interpretados como algo rotineiro da vida para o poeta, pois os relógios sempre fazem o mesmo percurso e as estrelas estão sempre no mesmo lugar. O poeta percebe que a vida também é feita de desencontros e isso faz parte dela. E mais uma vez há uma amadurecimento no modo de pensar do eu poético.


Eu me afastei do teu lado
querendo-te sem sabê-lo.
Não sei como são os teus olhos,
tuas mãos nem teus cabelos.
Só me resta na fronte
a mariposa do beijo.


Nos versos 19 e 20 o poeta volta a falar em sua mãe. E revela que se afastou dela sem que percebesse, pois as circunstâncias da vida trataram de fazer isso. O tempo passa, as pessoas crescem e mudam a sua visão da vida e amadurecem. Foi isso que ocorreu com ele.


O eu poético, agora já não consegue ver nitidamente em sua lembrança os olhos, as mãos e os cabelos da sua mãe (versos 21-22). Freud também indaga sobre isso e afirma que quando sentimos muita afeição da fase fálica pelo progenitor de sexo oposto e sofremos uma separação brusca ou que não é compreenda nitidamente pela criança a mente ativa um mecanismo de defesa.


Esse mecanismo de defesa consiste em deletar do ego essa informação e lançá-la no id. Ou seja, essa lembrança sai do consciente e vai para o inconsciente. E é por isso que ele não se lembra desses detalhes.


[...]
Só me resta na fronte
a mariposa do beijo.


Esses versos 23 e 24 poderiam ser lidos da seguinte forma sem prejuízo do sentido primário:


Só me resta na mente
a lembrança do beijo.


Pessoas que se recordam com saudade de um determinado encontro amoroso onde teve um prazer um tanto quanto mais acentuado do que o seria lícito se esperar. Ficam então com recordação daqueles doces momentos flutuando em suas lembranças.


O tempo do poema inicia-se no passado e só percebe-se a presença do tempo presente a partir do verbo “restar”.


Só me resta na fronte


Essa frase permite entender que o poeta estava recordando tudo que ele havia exposto anteriormente.


No quarto e ultimo dístico o poeta marca mais uma ver a passagem de um tempo. E ele entende que como o relógio segue um curso previamente determinado, a vida também segue o seu curso (o poeta se conforma com a circunstância).


Ele também cita a Cadência das estrelas. As estrelas estão sempre no mesmo lugar, mas por causa do movimento de rotação da Terra tem-se a impressão que são as estrelas que seguem uma órbita; quando na verdade não é isso que ocorre. Esse verso também permite a interpretação de que o poeta começou a ver a vida equivocadamente em relação ao amor e naquele momento ele percebe que havia feito isso.


REFERÊNCIAS
http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/258607
http://www.geocities.com/mhrowell/fase_falica.html
http://www.gforum.tv/board/1677/151321/etapas-do-desenvolvimento-psicossexual-segundo-freud.html
CANDIDO, Antonio. Na Sala de Aula, Caderno de análise literária. São Paulo: Ática, 1993.
CUNHA, Helena Parente. Os gêneros literários. In: Portela, Eduardo (org). Teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileira, 1979.
=========================================================================
¹ Graduando em letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – Jequié. É poeta e palestrante em cultos protestantes. É também professor de Espanhol nos colégios Amadeus e Super Passo e professor de Português e Literatura no Colégio Municipal Adolfo Ribeiro.

Nenhum comentário: